ERRATA no livro A Ética e suas Negações

No início do capítulo I. Paternidade e Abstenção, a editora Rocco cometeu um terrível erro: eles simplesmente suprimiram uma linha que prejudica totalmente a compreensão da primeira frase. A frase completa é a seguinte:



Durante toda a história da Filosofia, a Ética tem sido Ética do ser, o imperativo moral básico foi sempre ‘Deve-se viver’, e tudo o resto, uma justificativa desse imperativo.



domingo, 7 de agosto de 2011

Filosofias da Lógica e da Linguagem



          Da crítica à lógica formal à abordagem negativa da argumentação 
                                                           (passando pelas lógicas lexicais)


A minha filosofia da lógica é a mais antiga das minhas investigações filosóficas. Ela compreende uma parte crítica (ou destrutiva) e uma parte construtiva. Começarei falando da primeira.

Quando comecei, já nos anos 70, no meio das iras dos "lógicos profissionais", a desenvolver as minhas primeiras críticas aos alcances da Lógica formal (LF) como instrumento de análise filosófica, não conhecia os textos de Nietzsche sobre lógica (eu os conheceria somente na década de 90). Mas, curiosamente, tinha já escrito textos nos anos 80 onde afirmava que a minha filosofia da lógica era basicamente "nietzscheana". Questão de instinto. (Lembrar também que no subtítulo de A Lógica condenada. Uma abordagem extemporânea de filosofia da lógica (1987), se utilizava um conceito tão nietzscheano como "extemporâneo").

Na verdade, as minhas críticas formulavam, de maneira mais clara e analítica (ou seja, de maneira menos genial) a ideia fundamental de Nietzsche: o desacordo básico e primitivo entre a linguagem (e as formas lógicas) e o mundo.

A característica mais evidente das introduções à lógica é a sua monotonia. A teoria lógica elementar é apresentada como uma doutrina consolidada, sem nenhuma crítica incisiva contra qualquer aspecto de sua exposição padrão. Não quero dizer (o que seria factualmente falso) que a lógica clássica não seja contestada, expandida ou minguada, pois é isso, precisamente, o que fazem as lógicas "não-clássicas". O ponto é que todas as contestações, expansões ou diminuições tomam a "lógica clássica", inevitavelmente, como ponto de referência (já na própria denominação de "não-clássico"). A lógica clássica deve ficar perfeitamente estabelecida para que todos esses "desvios" possam ser formulados.

Todas as introduções à lógica seguem exatamente o mesmo esquema: capítulos iniciais sobre a noção de "lógica" e de "argumento", esclarecimentos acerca de "distinções essenciais" (verdade e validez, uso e menção, etc), algumas noções de teoria de conjuntos, algumas informações sobre a história oficial da lógica, alguma apresentação do cálculo de sentenças e as tabelas de verdade, outra do cálculo de predicados de primeira ordem, um capítulo sobre dedução, e capítulos finais sobre o sistema da identidade, algo de meta-lógica, talvez alguma coisa sobre sistemas não-clássicos ou aplicações da lógica na ciência ou na linguagem comum. Variados números de exercícios, às vezes com soluções. (Como os 4 evangelhos, todos diferentes, mas todos contando a mesma história).

Por minha parte, não consigo expor a "lógica elementar" sem tropeçar continuamente com graves inconvenientes de concepção, com noções duvidosas, com formulações discutíveis. Simplesmente não consigo avançar além das duas ou três primeiras páginas. Para explicar isto melhor, relaciono a seguir algumas das coisas que cansativa e rotineiramente se dizem acerca desta disciplina, e cuja problematização tem constituído a parte crítica da minha filosofia da lógica:

1. A ideia de que a lógica é completamente geral, não se referindo a nenhum tipo de objeto em particular; todos os objetos, seja qual for seu contexto ou o tipo de matéria de que se trate, seriam afetados pelas leis da lógica, pelo fato destas serem completamente gerais e do mais alto grau de formalidade. A lógica, em sua generalidade, refere-se a uma espécie de "objeto qualquer".

2. A ideia de que, na aplicação da lógica aos raciocínios ordinários, deve conceder-se que o instrumento lógico tem, certamente, limites, mas que fazendo certos esforços para construir paráfrases, os raciocínios ordinários acabarão "encaixando", de maneiras mais ou menos naturais, dentro dos esquemas da lógica, e que a sua validez poderá ser avaliada pelos seus métodos.

3. A ideia de que todas as conexões lexicais (advogado/profissional, fechado/aberto, solteiro/casado, etc) devem ficar fora do escopo da lógica precisamente por não serem gerais, nem estritamente formais, mas conexões baseadas em considerações "de conteúdo".

4. A ideia de que a lógica elementar tem uma parte puramente sentencial, onde se opera com unidades indecomponíveis, e uma parte quantificacional, onde se opera com uma "análise interna de sentenças". Trata-se de dois setores da lógica que devem ser expostos como estruturas completamente estáveis e objetivas.

5. A ideia de que a lógica foi criada por Aristóteles, deu um "cochilo" durante vários séculos, e foi redescoberta por Frege no século XIX, sem nada ter havido de importante nos séculos intermediários.

Eu vejo nesta monotonia um dos traços característicos do filosofar acadêmico profissionalizado. Filosofa-se segundo palavras de ordem da "comunidade", através de exposições padronizadas, sem qualquer aceno para visões que abrem caminhos; neste caso, para filosofias da lógica que desafiem a série (1)-(5) de ideias norteadoras.

Precisamente, a minha apresentação da lógica poderia resumir-se em cinco passos que contestam, uma por uma, essas ideias norteadoras: 

1'. Contra a ultra-generalidade.

Eu creio que a afirmação 1 é falsa. Na escolha dos "termos lógicos" (conectivos, quantificadores, etc) há, ao mesmo tempo, uma escolha do tipo de objeto do qual a lógica se ocupará. O específico tipo de objeto que a lógica formal estuda é, por exemplo, um objeto não afetado pela temporalidade, pela causalidade e pelos processos reais, um tipo de objeto totalmente sensível a operações tais como a comutatividade, a contraposição, o destaque, etc.

Mas nem todos os objetos do mundo são deste tipo. Por que supor que o "objeto qualquer", com independência dos diferentes âmbitos temáticos, deva ser, por exemplo, um objeto atemporal? Eu diria, pelo contrário, que se faltar a temporalidade, isso prova que a lógica não está tratando com o "objeto qualquer", mas com um tipo peculiar de objeto desprovido de temporalidade.

2'. Contra a adequação.

Eu creio que os contra-exemplos e dificuldades de aplicação que os próprios lógicos freqüentemente encontram na aplicação dos esquemas da lógica formal ao raciocínio ordinário e ao discurso filosófico, têm uma importância maior do que os lógicos estão dispostos a conceder. As paráfrases "reduzem", às vezes barbaramente, a variedade das formas dos objetos aos esquemas lógicos pre-determinados.

Os artifícios dos quais os lógicos lançam mão para obter o "encaixe" nos esquemas e a relativa arbitrariedade das paráfrases, cheia de decisões cruciais acerca da tradução mais "bem sucedida", mostram que a lógica formal é muito mais inadequada do que habitualmente se pensa nessa tarefa.


3'. Contra a exclusão das formas lexicais.

Se o que interessa inicialmente são os raciocínios ordinários do tipo que os filósofos fazem, nada mais típico deles do que as conexões entre peças lexicais, num sentido largo (não apenas as conexões "analíticas" estudadas na literatura, mas conexões que estão na interface entre dicionários e enciclopédias, conexões lexicais de variados tipos). Se a lógica formal visa um tipo de "generalidade" que deixa totalmente de lado por princípio as conexões lexicais como sendo "materiais", terá deixado de lado um dos traços mais interessantes dos raciocínios ordinários.

4'. Contra o referencial fixo da "lógica clássica"

Por conseguinte, a construção da teoria lógica, se o nosso interesse primordial for filosófico, poderia iniciar-se a partir das conexões lexicais. O vinculo de, pelo menos, dois predicados, é -se poderia dizer- o ato inaugural da lógica: as conexões intersentenciais e a quantificação poderão vir depois. (Muitos anos depois, eu encontrei esta ideia nos textos de Robert Brandon sobre "inferencialismo", muito posteriores a meus escritos).


5'. Contra a história oficial da lógica.

Como ponto final mas não banal: ao longo de toda a história da filosofia houve numerosos filósofos que tiveram intuições acerca da interação entre formas e conteúdos dentro da constituição da teoria lógica; eles dirigiram críticas à pretensa "máxima generalidade" das estruturas lógicas, tecendo considerações acerca de como os conteúdos poderiam ser formalmente estudados.

Hegel, Dewey e Husserl são, por exemplo, três filósofos modernos que construíram teorias lógicas nesse sentido, e foram completamente apagados da história oficial da lógica. Muitos outros filósofos (notadamente, Descartes, Locke e Kant), durante o "período obscuro" onde, habitualmente, se afirma (monotonamente e sem crítica) que "não houve nada de valioso em termos lógicos", tiveram idéias críticas contra a formalidade unilateral da lógica usual (na sua forma aristotélica escolástica ou moderna) e intuições construtivas acerca de outras maneiras de apresentar a lógica. Obviamente, isto deveria dar origem a uma história da lógica totalmente diferente da que temos hoje. 

Em meu livro de 1987, A Lógica Condenada, já se podem encontrar desenvolvimentos de todos estes tópicos, pelo qual se pode considerar esta obra como o resumo da parte crítica da minha filosofia da lógica.

Uma objeção corriqueira foi dizer que todas as minhas críticas aplicam-se apenas à lógica formal clássica, mas não às "não clássicas". Se pode replicar que as pretensões de ultra-generalidade, adequação e formalidade não lexical se reproduzem dentro das não clássicas; e que as lógicas lexicais tentam ultrapassar o referencial do "clássico", introduzindo um tipo de divergência mais radical que denominei "hiper-divergência", tal como exposta na parte construtiva da minha filosofia da lógica. 

A parte construtiva está exposta em outro livro, muito posterior, Inferências lexicais e Interpretação de redes de predicados, escrito em colaboração com o físico Olavo Leopoldino Da Silva Filho, do Departamento de Física da Universidade de Brasília, e publicado, depois de muitas vicissitudes, em 2007. Neste livro, apresentamos projetos de lógicas lexicais, que estudam, precisamente, as conexões lexicais consideradas como as conexões lógicas primárias, de acordo com os pontos 3' e 4' da parte crítica, vistos antes.

A introdução de estudos formais sobre conexões lexicais talvez deva modificar substancialmente toda a apresentação da lógica, diluindo-se a própria noção de "lógica clássica" como hoje entendida. É falso que as conexões lexicais sejam puramente materiais: muitos linguistas (como Jerrold Katz) e meu colaborador, o professor Olavo, mostraram que as conexões lexicais podem considerar-se formais à luz de novas análises diferentes das oferecidas pela lógica formal, análises que trabalham com redes de peças lexicais, procurando estruturas recorrentes e formalizáveis.

Se a conexão entre "x é verde" e "x é colorido" é formalmente estabelecida, as conexões entre essas duas sentenças ("x é verde e x é colorido", "x é verde ou x é colorido", Se "se x é verde então "x é colorido", etc) e as generalizações sobre seu conteúdo ("Para todo x, se x for verde, então x é colorido", "Existe um x tal que é verde e colorido", etc) poderão ser derivadas a partir daquela conexão primitiva. E se ela não existir, as sentenças e quantificações não decorrerão. A ideia é que as conexões lógicas usuais (sentenciais e quantificacionais) podem considerar-se como derivadas se suspendermos a proibição de considerar as conexões lexicais como não formais.

Finalmente, meu trabalho mais recente em lógica foi a elaboração do que denomino uma abordagem negativa da argumentação. Ela está contida em meu livro Introduction to a negative approach to argumentation, de 2019. Esta investigação se situaria entre a parte crítica e a parte construtiva. Pretendo com esta abordagem apresentar uma nova atitude - lógica e ética - em discussões filosóficas, a partir da consideração de que qualquer tese filosófica é sempre gerada a partir de uma perspectiva entre muitas outras possíveis, dependente de pressupostos (definição de termos, premissas assumidas, tipos de sequitur lógicos admitidos, etc) e a partir de uma certa Gestalt dos elementos do problema discutido.

Isto leva a retirar qualquer privilégio de alguma das perspectivas de pretender ter resolvido definitivamente um problema filosófico em seus próprios termos, sendo que toda argumentação admite contra-argumentações e as discussões filosóficas são virtualmente intermináveis, acabando apenas pela ação de alguma autoridade externa, nunca pela força da própria argumentação.

Isto leva à uma postura filosófica que denomino "relativismo objetivo": todas as conclusões são relativas a uma perspectiva, mas cada perspectiva é objetiva, no sentido de expor uma parcela do mundo tal como ele é.  Contra a ideia tradicional de que enquanto as falsidades são muitas a verdade deve ser una, sustento que pode haver muitas verdades, todas elas sustentáveis a partir das correspondentes perspectivas. O objetivo é tão diversificado e fragmentado quanto o subjetivo. 


Observação: A seguinte seleção de textos percorre um período temporal muito longo e abrange todo tipo de assuntos logico-analíticos, não diretamente vinculados com a apresentação anterior; alguns textos estão mais vinculados com filosofia da linguagem do que com lógica, uma filosofia da linguagem plural que abrange analítica, hermenêutica e fenomenologia. 

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TEXTOS DE LÓGICA E FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Acerca da expressão 'Das Nichts nichtet' : uma leitura analítica


Acerca de “Un enfoque no-clásico de varias antinomias deónticas” de Lorenzo Peña, 
(Revista Theoria, (Segunda Época), ano III» octubre 1987-septiembre 1988, Universidad del País Vasco, San Sebastian, España, pp 67-94). Fevereiro 1993


A revolta da razão contra a ditadura da forma 
(Reflexões sobre Lógica e “Ideologia”)


Brasilia como Linguagem (Cidades e linguagens artificiais)

Falando de objetos estéticos 

Intencionalidade da Consciência, Intencionalidade do Signo
A “Perda dos Objetos” em Husserl e Quine.

Lógica y dialéctica : lecturas oblicuas
http://repositorio.unb.br/handle/10482/15384

Margens das filosofias da linguagem


Meu acerto de contas com a Filosofia da Mente.

Nada e negação (Entre Wittgenstein e Sartre)
http://repositorio.unb.br/handle/10482/15386

O mundo bem ganho : inferências sem "inferencialismo"
Pensamentos nietzscheanos sobre Lógica.


Primeiro Abuso Interpretativo: “desde o Crátilo”. 


Projeto Epistemológico (1986-87). Epistemologias standard e alternativas.
(observação: este antigo projeto pode ser útil para entender melhor o posterior desenvolvimento dos meus pensamentos na área da lógica e a filosofia da linguagem).

Quem tem medo de Agatha Christie?
(Acerca de “Objetividade e Interpretação: o debate meta-filosófico por trás do debate entre Ronald Dworkin e Stanley Fish”, de Bruno Garrote).
  https://drive.google.com/file/d/17IkExXZWxAR6oeJYvznACNhMEHiFdONs 

Redes predicativas e inferências lexicais 
(uma alternativa à lógica formal na análise de línguas naturais)


Segundo Abuso Interpretativo: os “sentidos” de Frege na semântica de Wittgenstein (entre Referencialismo e Pragmática). 
(Notas de um seminário no SIP/FIL. Unb, dia 7/10/1996).

Semântica Existencial
http://migre.me/uHbbe

Três graus de divergência lógica : Hegenberg, Da Costa, Sampaio

 
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