ERRATA no livro A Ética e suas Negações

No início do capítulo I. Paternidade e Abstenção, a editora Rocco cometeu um terrível erro: eles simplesmente suprimiram uma linha que prejudica totalmente a compreensão da primeira frase. A frase completa é a seguinte:



Durante toda a história da Filosofia, a Ética tem sido Ética do ser, o imperativo moral básico foi sempre ‘Deve-se viver’, e tudo o resto, uma justificativa desse imperativo.



terça-feira, 8 de novembro de 2022

A VOLTA DO HOMEM DELGADO (Seis filmes antigos ou a Sexalogia de Nick Charles)


Prezados, 

O detetive Nick Charles é muito menos conhecido que Poirot ou Sherlock Holmes. À diferença de Ian Fleming, que escreveu cerca de 15 livros com James Bond, Dashiell Hammett escreveu apenas um livro com Nick Charles, “The thin man” (1933) (O homem delgado). (O personagem já tinha sido antecipado num conto de 1930).

Nick Charles não é sequer o detetive mais famoso de Hammett, cujo Sam Spade apareceu em vários de seus escritos (é o protagonista de seu romance mais famoso, “O falcão maltês” (1930), protagonizado por Humphrey Bogart no filme de John Huston de 1941). Mas Hammett não podia imaginar que este único romance com Nick Charles, sua esposa Nora e seu cachorro Asta inspirariam uma série de 6 filmes, feitos entre 1934 e 1947. Eles são:


(1)   The thin man (1934) (Título em português: “A ceia dos acusados”)

(2)   After the thin man (1936) (“A comédia dos acusados”)

(3)   Another thin man (1939) (“O hotel dos acusados”)

(4)   Shadow of the thin man (1941) (“A sombra dos acusados”)

(5)   The thin man goes home (1945) (“O regresso daquele homem”)

(6)   The song of the thin man (1947) (“A cancão dos acusados”).

 

Os 4 primeiros foram dirigidos por W.S. Van Dyke, que se suicidou em 1943 devido a uma grave doença. O primeiro filme é diretamente baseado no romance de Hammett, embora com várias mudanças não muito relevantes. Mas a maior deturpação do original já vem embutida no título. O “homem delgado” do romance de 1933 é Clyde Wynant, um inventor excêntrico extremamente delgado, que depois de ser assassinado, só passa a existir nas delgadas folhas de papel (cartas, cheques) que seu assassino envia a diversas pessoas, pretendendo que Wynant continua vivo. No capítulo 30, o penúltimo do livro, Hammet escreve: “Wynant’s not that thin, but he’s thin enough, say as thin as the paper in that check and in those letters people have been getting”. Mas curiosamente, nos films supõe-se que o homem delgado seja Nick Charles. (Este mesmo erro foi transferido para o seriado de curta duração (1957-1959), “As aventuras de Nick Charles”, com Peter Lawford como Nick e Phyllis Kirk como Nora, onde, na propaganda, sempre dizia: “Nick Charles, o homem delgado”).

Este primeiro filme teve tanto sucesso que os produtores decidiram fazer outros filmes com o mesmo casal de atores, o elegante William Powell como Nick Charles e a sofisticada Myrna Loy como Nora (e Asta como Asta, um cãozinho que certamente devia ser substituído de tempo em tempo por outros cachorros, dada a curta vida destes bichinhos). Van Dyke já havia dirigido a Powell e Myrna em “Manhattan melodrama” (1934) pouco antes do início da série. Os outros cinco filmes têm roteiros originais baseados nos personagens de Hammet, que sempre figura nos créditos, mas ele nunca participou do roteiro de nenhum desses filmes, nem mesmo do primeiro.

A vida de Dashiell Hammett foi atormentada e isso se reflete em sua literatura sombria e decepcionada. Abandonou para sempre a escola aos 14 anos, teve que trabalhar em todo tipo de empregos, braçais e de escritório, o mais importante sendo na agência de detetives Pinkerton, o que inspirou muitos dos casos de seus futuros romances e contos. Sofreu de tuberculose a vida toda e foi perseguido como comunista pelo senador MacCarthy, o que lhe custou 5 meses de cadeia. Chegou a ganhar vastas somas de dinheiro que gastava com a mesma velocidade com que o ganhava. Alcançou a fama, mas se considerava um escritor fracassado, porque queria fazer peças de teatro de conteúdo social e só conseguiu sucesso na literatura policial, na qual é considerado como um dos seus mestres.

 O ator Jason Robarts ganhou oscar de coadjuvante por interpretar Dashiell Hammett no filme “Julia” (Fred Zinemann, 1977), que conta a amizade profunda e duradoura do escritor com Lillian Hellmann (interpretada por Jane Fonda no filme); parece que Lillian teria inspirado o personagem de Nora, a esposa de Nick Charles. Em 1982, o diretor alemão Wim Wenders, grande admirador do cinema americano, fez o filme “Hammett”, uma história fictícia onde o próprio escritor é o detetive.

Hammett morreu de tuberculose em 1961 aos 66 anos, e alcançou a ver o sucesso dos seis filmes baseados em seu personagem, mas esses filmes apresentam um Nick Charles bom vivant e esfuziante, longe do frio, lacônico e sempre alcoolizado personagem do livro original de 1933. Os filmes são, por momentos, muito frívolos (especialmente pela sobre atuação de Powell), e são típicos filmes de puro divertimento de Hollywood. Mas no meio da frivolidade, os seis filmes apresentam uma questão de bastante interesse filosófico que eu queria comentar nesta nota.

Curiosamente, o aspecto que quero apontar está acentuado pelas traduções portuguesas dos filmes, contendo o termo “acusados” e não “o homem delgado”. Todos os filmes terminam com Nick Charles reunindo todos os suspeitos (os acusados) numa sala e apontando para o assassino no final. Isso de imediato faz lembrar a estratégia de Hercule Poirot, detetive de Agatha Christie, que faz a mesma coisa nos romances em que ele aparece. Entretanto, há uma diferença fundamental. Quando Poirot reúne os suspeitos, ele já sabe quem é o culpado.  Quando Nick Charles reúne os acusados, ele ainda não sabe quem é o assassino que a polícia deverá prender. Ele pretende descobrir isso durante a sessão, esperando que o próprio culpado cometa um erro ou diga alguma coisa que o denuncie.

Assim, enquanto o percorrido que Poirot faz mostrando que todos os suspeitos tinham um motivo para matar é puramente teatral e retórico, no caso de Nick Charles isso constitui um procedimento absolutamente necessário. Parece-me que aqui se perfilam duas concepções do que seja saber, conhecer ou descobrir alguma coisa, duas metodologias ou estratégias para atingir o conhecimento. Num caso, a solução já está antecipada a priori com toda certeza, enquanto no outro, a descoberta tem algo de dinâmico, inseguro, interativo e participativo. Aqui o detetive não ostenta um saber prévio à comunidade, mas ele se desenvolve dentro dela e com seu auxílio. Nick Charles conta com que o próprio assassino acabe se revelando, assim como o psicanalista espera que o próprio paciente chegue ao coração de seu trauma e se auxilie a si mesmo; ambos são apenas um instrumento intermediário. 

À diferença de Poirot, cujas descobertas são egoístas e pessoais (ele sempre se gaba de que suas células cerebrais poderiam resolver um enigma sem sair de casa e sem ajuda de ninguém, se lhe fornecerem os elementos), Nick Charles é generoso e usa a sua mente socialmente, no meio da comunidade (e põe seu próprio corpo em risco). Enquanto o elegante Poirot resolve os casos quase matematicamente, o desastrado e alcoolizado Nick Charles resolve os casos de maneira fortemente intuitiva (mais perto do Maigret de Georges Simenon que de Poirot).

Como esta mensagem já está imensa, eu fico devendo comentários mais pormenorizados dos seis filmes da série. Se isso interessar ao grupo, me avisem.

Um abraço, Julio Cabrera.

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