ERRATA no livro A Ética e suas Negações

No início do capítulo I. Paternidade e Abstenção, a editora Rocco cometeu um terrível erro: eles simplesmente suprimiram uma linha que prejudica totalmente a compreensão da primeira frase. A frase completa é a seguinte:



Durante toda a história da Filosofia, a Ética tem sido Ética do ser, o imperativo moral básico foi sempre ‘Deve-se viver’, e tudo o resto, uma justificativa desse imperativo.



quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Um filme esteticamente maravilhoso sobre o mais horroroso dos crimes. [“Im Westen nichts neues” (“Nada de novo no front”) de Edward Berger]

Argentina conseguiu este ano a sua oitava indicação para o Oscar de Melhor Filme estrangeiro (tendo ganho duas vezes dessas oito), com o filme “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (com o infalível Ricardo Darín no papel principal) que narra a aventura do promotor Julio Strassera, que conseguiu julgamento e condenação civil para os ex-chefes militares durante a ditadura do Jorge Rafael Videla, apesar de ameaças de morte para ele e sua família. Mas não vai ganhar. O Oscar de Melhor Filme estrangeiro vai para “Im Westen nichts neues” (em português: “Nada de novo no front”), filme alemão de Edward Berger, baseado no famoso romance de Erich Maria Remarque (1898-1970).

O dado curioso é que este filme já foi feito e já ganhou Oscar de Melhor Filme em 1930, quase um século atrás! Foi feito por Lewis Milestone, um diretor russo que trabalhou nos Estados Unidos, e que ganhou também Oscar de melhor diretor nesse ano por esse filme. Lew Ayres fez o papel principal do jovem Paul Bäumer, que vai para a guerra cheio de ilusões e cai no meio de um inferno do qual jamais sairá.

Voltei a assistir este filme antigo depois de ver a nova versão, e embora as cenas atuais sejam tremendamente mais realistas, há elementos filosóficos antibélicos, melhor expostos no filme de 1930. Ainda vale a pena ver este clássico, embora tecnicamente inferior, cheio de imagens surpreendentes para um filme feito no primeiro ano do cinema sonoro.

De todo modo, os dois filmes são muito diferentes; mas os alemães decidiram fazer a sua versão sobre um clássico da sua literatura, e o resultado foi surpreendente. Além de ser indicado para melhor filme estrangeiro, “Nada de novo no front” recebeu também indicações para melhor filme, melhor roteiro adaptado, melhor fotografia (creio que vai ganhar também), melhor som, efeitos visuais, direção de arte, trilha sonora original e maquiagem.

O filme é admirável, mas também frequentemente insuportável, pela sua crueza; o filme antigo parece amável e catártico na comparação. Muito sangue, muito sofrimento, em torno a decepção de um grupo de estudantes, estimulados pelos adultos nacionalistas a alistar-se, diante de uma guerra brutal e sem sentido. O rosto do protagonista Paul (interpretado agora pelo jovem ator austríaco Felix Kammerer) mostra essa decepção espantosa, um rosto infantil e esperançoso no início, um rosto cadavérico, sujo de barro, um morto vivo no final.

Queria apenas fazer dois comentários sobre este filme, um formal, outro de conteúdo. O formal é o seguinte: me surpreende como um filme sobre o mais horroroso dos temas humanos pode ser esteticamente tão fascinante, como a arte consegue sublimar o mais atroz. É, mais uma vez, a estetização da violência e do horror, que tantas vezes vemos em filmes, sobretudo norte-americanos. O comentário de conteúdo é o seguinte: me espanta ver como o cinema tem tão pouco impacto na realidade social. Após um século de cinema antibélico, onde os maiores horrores já foram mostrados das maneiras mais terríveis, as guerras continuam sendo feitas, e a maioria das pessoas é em favor. O ator Lew Ayres, do filme de 1930, era, de fato, um pacifista, e recusou-se a se alistar na segunda guerra mundial, pelo qual foi fortemente rejeitado pelos seus colegas artistas, o que prejudicou definitivamente a sua carreira.

Ligando ambos os comentários: será que, precisamente, pela força da estetização (afinal, uma guerra real é sempre mil vezes mais atroz do que o mais realista dos filmes) os filmes antibélicos não nos tornam mais antibélicos?

Em minha filosofia negativa, a guerra é sempre eticamente errada, qualquer guerra. (Vocês podem ler a seção “Guerras justas e quadrados redondos” em meu livro Mal-estar e Moralidade, págs. 427-437. Essa matéria é seguida de uma listinha, que deveria ser atualizada, de grandes filmes antibélicos, pp. 437-438). Sustento que toda guerra é imoral, mesmo aquelas que são feitas, aparentemente, por motivos éticos (derrubar um tirano, restabelecer a ordem internacional). Poderiam sempre apelar-se a outros procedimentos, o número de vítimas e de horrores cometidos jamais compensa os pretensos resultados “positivos” de uma guerra.

“Nada de novo no front” mostra como o mais monstruoso, do ponto de vista moral, não é tanto o perigo e o medo de morrer, mas o fato de que o soldado deve transformar-se num assassino legitimado; esse é o maior dos horrores. (Uma das poucas cenas que está nos dois filmes, o de 1930 e o de 2022, é o episódio onde Paul mata um soldado francês, e depois se desculpa soluçando diante do agonizante).

Ir numa guerra "por bons motivos" não prova que existam "guerras (moralmente) justas". Prova que às vezes somos obrigados a sermos imorais. Isto é mais um motivo para afirmar que nosso mundo é horrível e não deveríamos fazer nascer ninguém nele. Sempre se procria um imoral, alguém que deverá matar para viver. A guerra apenas mostra isso que, no cotidiano, se oculta. A guerra, aliás, não é a única circunstância em que somos obrigados a ser imorais para continuar vivendo; é apenas a mais horrível de todas. Contra Wittgenstein, considero a guerra, e não o suicídio, como o mal moral fundamental.

Este filme, pois, provoca sentimentos contraditórios num filósofo negativo: uma estética portentosa - sem dúvida digna de prêmio - sobre o mais horrendo dos pecados morais.

Julio Cabrera

0 comentários:

Postar um comentário

 
Design by Free WordPress Themes | Bloggerized by Lasantha - Premium Blogger Themes | cheap international calls