ERRATA no livro A Ética e suas Negações

No início do capítulo I. Paternidade e Abstenção, a editora Rocco cometeu um terrível erro: eles simplesmente suprimiram uma linha que prejudica totalmente a compreensão da primeira frase. A frase completa é a seguinte:



Durante toda a história da Filosofia, a Ética tem sido Ética do ser, o imperativo moral básico foi sempre ‘Deve-se viver’, e tudo o resto, uma justificativa desse imperativo.



terça-feira, 28 de março de 2023

Depois do Oscar: Todo o Cinema em Nenhum Lugar ao Mesmo Tempo


A entrega dos Oscar, que aconteceu esta noite, não me reservou surpresas. Em mensagem do dia 7 de fevereiro, eu escrevi:

Argentina conseguiu este ano a sua oitava indicação para o Oscar de Melhor Filme estrangeiro (tendo ganho duas vezes dessas oito), com o filme “Argentina 1985”, de Santiago Mitre (...) Mas não vai ganhar. O Oscar de Melhor Filme estrangeiro vai para “Im Westen nichts neues” (em português: “Nada de novo no front”), filme alemão de Edward Berger, baseado no famoso romance de Erich Maria Remarque (1898-1970).

Merecido triunfo de “Nada de novo...” (o último filme alemão a ganhar este Oscar foi “A vida dos outros” em 2007). De certa forma, foi a vingança da Alemanha sobre a Argentina, que a venceu – injustamente a meu ver – em 2010, com “O segredo de seus olhos”, sendo muito melhor “A fita branca” de Michael Haneke.

Mas eu queria falar do grande premiado da noite, o tal de “Tudo em todo lugar ao mesmo tempo”, para mim um filme perfeitamente dispensável, bem representativo do tipo de cinema que hoje é feito e preferido no mundo todo.

Tive notícia deste filme por intermédio de um amigo, membro deste grupo, no mês de setembro de 2022, e naquela oportunidade enviei a ele e a outro amigo e membro um comentário deste filme, que queria tornar público agora depois da premiação, com alguns acréscimos. O filme é dirigido pelos norte-americanos Daniel Kwan (34 anos) e Daniel Scheinert (35 anos), e expõe uma ideia filosófica muito atraente: a frustração do presente e a busca de alternativas, um tema presente na história da filosofia europeia (de Platão à semântica de mundos possíveis) e latino-americana (vide ética da libertação).

Isto é narrado a través da fuga da realidade de uma mulher de meia idade, imigrante chinesa, dona de uma lavanderia, presa dentro de uma vida rotineira e cheia de problemas burocráticos e domésticos, com seu marido, sua filha, seu sogro e seus clientes. A partir de um determinado momento, realidades alternativas lhe são oferecidas, mundos possíveis que poderiam ter sido vividos, no meio de um caos de recepções e estímulos impossíveis de serem gerenciados com o mínimo de prudência ou racionalidade.

A vertigem dos caminhos alternativos, que se abrem infinitamente em ameaçadora diversidade, é captada pelo ritmo acelerado e a chuva de imagens. O filme resulta num pequeno laboratório de efeitos e possibilidades. O problema é que desenvolve muita mais tecnologia do que seria necessária para elaborar a ideia central; a partir de determinado momento, o filme transforma-se num videoclipe, ou num jogo eletrônico atraente por si mesmo, totalmente esquecido o fio condutor inicial.

Típico filme feito por jovens para jovens, pouco preocupados com críticas ou especulações sobre a crua realidade, mais fascinada com viagens a outros mundos, não porque estes sejam melhores, mas porque a sua amostragem vertiginosa é prazerosa em si mesma e ajuda a remover os espectadores do seu tédio existencial. Curiosamente, um filme com uma ideia extraordinária não deixa tempo para o espectador a elaborar, porque ela não está elaborada pelos autores, mais entretidos em pirotecnias que em considerações imagéticas mais inquietantes e menos divertidas

Por outro lado, há algo de filosoficamente perverso na ideia de que a realidade se abre em infinitas possibilidades a serem exploradas. As vidas humanas reais, sobretudo em situação de exploração e despojo, distam muito de serem maremotos de possibilidades. Mesmo tendo mínimas condições económicas, mudar de vida é extremamente difícil, e as possibilidades que se nos abrem efetivamente são muito poucas. A imensa maioria das pessoas vive apenas o que lhe é permitido viver. Que uma mulher do povo seja de repente chamada para salvar o mundo é apenas uma fantasia que cinco minutos de realidade bastam para destruir.

O filme é um prato cheio para gerações de entediados, que bocejam quando a ação dá uma parada. O filme é tão veloz que não dá tempo para pensar a ideia que pretende transmitir. Ele se movimenta o tempo todo, em ritmo de brinquedo de shopping com o espectador dirigindo um carro sem freios enfrentando milhares de obstáculos por segundo. Divertimento tecnológico nem sequer vazio de ideias: vazio de capacidade de desenvolver uma grande ideia.

Por isso, quanto mais espetacular a sua visão, mais rapidamente virá o esquecimento. Não é um filme para pensar, mas para ser visto muitas vezes, pelo puro prazer das imagens desenfreadas. Decididamente, "cinema cheio", tudo o contrário do que atualmente me interessa: cinema vazio, lento e indireto, mais reflexivo do que apelativo.

Léo Pimentel, membro deste grupo, comentou algo interessante após meu comentário: o filme pode ser memorável pelas suas técnicas de edição (e, de fato, ele levou o Oscar de melhor montagem, merecidamente a meu ver). E ele refere-se a uma geração “(...) com medo da lentidão, pois esta exige que vejamos algo acontecendo em seu tempo de acontecimento”. Léo recupera a sua velha ideia de que atualmente "os filmes são feitos para não serem vistos", para apenas "ter a impressão de que algo ali aconteceu", como “(...) uma olhada de canto de olho, onde a gente somente percebe que algo se movimenta, mas não vemos em foco o quê, ou quem seria”. E: “(...) como se está com pressa, somente importa o movimento em si. não importa as paisagens monótonas acontecendo às nossas vistas numa viagem de ônibus, mas sim a rapidez de um avião, onde olhamos uma cidade inteira de cima e pensamos ‘ali algo acontece’”.

Creio que é por aí que poderíamos pensar este tipo de filme – cuja múltipla premiação hollywoodense deveria ser vista como sintoma – pelo menos se ainda estivermos interessados no potencial filosófico do cinema. Este tipo de filme não permite a reflexão. Permite o quê? O que pretende colocar em troca?

Julio Cabrera
13, maio.2023

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